sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O ponto 1 segundo César Adão

1. Um livro é um livro?


1.1 - A perspectiva do autor.

 O autor gera, e é em si, a matéria-prima em bruto na cadeia da edição. É o centro deste universo e propulsiona-o, sendo simultaneamente a sua razão de ser. Descendente de Prometeu, roubou aos deuses o seu papel, com altivez. O autor é a força criadora, primordial, pura. É a génese.
 Motivado pelo temperamento, pela paixão, pelo intelecto, o que o move é a necessidade humana de comunicar, de partilhar, e talvez a vaidade de o fazer com destreza e génio. O ego pode turvar-lhe o entendimento, o diagnóstico da sua própria qualidade e pertinência. É muitas vezes autista perante as necessidades da máquina que o alimenta (as necessidades do seu tempo, dos seus contemporâneos, dos parceiros e membros da cadeia de edição).
Tomado pela arrogância do criador, está habituado a reconstruir o mundo à sua imagem, e alimenta expectativas irreais.
 O autor ou recicla o mundo ou encontra uma linguagem própria, original. Ou um mediante o outro.
É também um frontman, dá a cara, vende o seu produto, é um agente de marketing de si próprio e da sua criação.
No romantismo era o génio, carregava o peso do mundo sozinho, no modernismo era o emissário dos homens e inventava a linguagem com que trazia, pilhada para os demais, a quinta essência do mundo.
 Sepultado por Roland Barthes; comprimido por Michel Foucalt; na era de glória do hipertexto a sua criação corre o risco de se ver brutalizada, mal circule pelas autoestradas da WEB. É um Dr. Frankenstein involuntário. Só o editor o pode salvar, enquadrando-o, mostrando-lhe um caminho, dando-lhe abrigo e protegendo-o do mundo.


1.2 - A perspectiva do editor.

 O editor é sempre um co-autor, porque manipula o nascimento, a forma e o sentido do texto. Lê o mundo e antecipa tendências. Prevê os cataclismos e as oportunidades nas suas antecâmaras.
 Se o autor é o homem, o génio humano, o editor é um deus: antevê a necessidade de criar o autor, cria-o e finalmente orienta-o. Mostra-lhe o caminho que antecipadamente rasgou para ele. Se o autor pode plantar e colher, significa que previamente o editor localizou o terreno, abriu condutas, drenou os pântanos.
 O editor protege o autor. Tem o sentido paternal obrigatoriamente perverso de ter de, ora refrear o seu ego, ora inflamá-lo.
 É a ponte que liga a humanidade ao génio, e que liga o mundo dos interesses, o mundo prosaico, fútil, ao mundo do sublime, do espiritual. É um homem do renascimento: domina o marketing e a gestão, o design e as belas artes, as artes clássicas como a retórica, é um oráculo do seu tempo, e sabe de física, poesia, história, literatura e cinema.

 É omnisciente e omnipresente, mas quando o pano sobe o público não o vê, porque o seu trabalho é na sombra, no meio da mesma escuridão de onde saiu o tempo e a matéria.

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