quarta-feira, 23 de abril de 2014

O livreiro: Antero Braga

Público, 23/4
Livreiro há 46 anos, Antero Braga, da Livraria Lello, continua a acreditar no papel da leitura na formação de cidadãos conscientes e críticos. E diz que “a liberdade e a cultura são indispensáveis para que se seja feliz”. Hoje é Dia do Livro.
No V Encontro Livreiro, realizado no final de Março, Antero Braga recebeu o diploma Livreiro da Esperança. Uma distinção anualmente atribuída a um “vendedor de livros” feliz por o ser. “São 46 anos de uma actividade que me deu mais do que eu lhe dei. Fez-me aprender a ser uma pessoa diferente. A ser solidário. Eu tenho de estar grato ao meu destino. Era para ser um homem de números, mas tornei-me livreiro e não estou nada arrependido”, disse às “gentes do livro” presentes no encontro, na Livraria Culsete, em Setúbal.
Responsável por uma das mais belas livrarias do mundo, a Livraria Lello, no Porto, Antero Braga gosta de citar Armando Martins, “que nasceu na Clássica Editora e mais tarde foi gerente da Bertrand do Chiado”. Dizia ele, sorridente, quando lhe perguntavam se achava que determinado livro era uma boa oferta: “Isto é um livro, minha senhora. Isto é uma taça de champanhe!”
Recorda os primeiros tempos de actividade: “Quando comecei a trabalhar nos livros, éramos obrigados a ler as coisas, a saber quem eram os autores, para não dizermos asneiras. Para tentarmos cativar mais leitores, mais gente para os livros.” Essa continua a ser a função de um livreiro? “O papel do livreiro será o de manter a chama acesa para que os mais novos conheçam o legado que lhes deixaram os que amaram e amam o seu Portugal.” E acrescenta: “Um país faz-se com homens e livros. O resto é treta.”
Antero Braga convoca os seus pares: “Nós, os livreiros, os que amamos os livros, vamos lá. Tudo é possível, quando de facto queremos.” Deixa também alguns conselhos: “Pensem no seguinte: qual o papel do livreiro? Qual o papel das unidades que por acaso vendem livros? Qual o papel de possíveis cartéis que podem estar em preparação? O que pode fazer o livreiro em conjunto com as pequenas e médias editoras, em conjunto com todos os que amam os livros: os autores, os editores, os directores editoriais e os proprietários, cujos interesses são diferentes uns dos outros? Podemos e devemos reflectir e unir esforços.”
Regresso à qualidade
Os encontros entre “as gentes do livro”, expressão muito grata a Manuel Medeiros, “O Livreiro Velho”, que primeiro os imaginou e organizou, são “muito importantes”, diz ao PÚBLICO Antero Braga:
“As livrarias atravessam há mais de 20 anos problemas graves. Eu estive nos três lados do mundo dos livros, só não conheço bem as gráficas. Sei muito bem o que é uma editora, o que é uma distribuidora e sei muito bem o que é uma livraria. Quando fui administrador da Bertrand, tudo isso me passava pelos olhos e pela decisão. Isto para dizer que sei muito bem qual é o papel de qualquer um destes elementos, onde existem até algumas acções contraditórias.”
A dificuldade está então na compatibilização dos vários interesses. “Aquilo que mais me assusta é a possível colonização cultural que pode acontecer em Portugal se existirem cartéis. E eles podem estar em grande formação e em grande aceleramento. Estas reuniões são importantes, quanto mais não seja para um alerta do papel do livreiro, que não pode ser só e apenas um agente cultural, mas também, obviamente, um gestor.” Por isso lhes diz: “Reflictam, não tenham medo, acreditem que vale a pena ser livreiro.”
Divertido, acrescenta ainda: “Vejam bem, como diria o Zeca Afonso, faço o que gosto e ainda me pagam.” E despede-se assim, antes de rumar a norte: “Viva a cultura, viva os livros e não se esqueçam de que a liberdade e a cultura são coisas indispensáveis para que se seja feliz.”

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